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Edição 12
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As faces do assédio moral; a prática pode levar ao suicídio

Por Auris Sousa | 02 fev 2018

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É difícil encontrar algum trabalhador que não tenha vivenciado situações de pressão no local de trabalho. Em nome da produtividade e do lucro, as empresas e corporações tendem a cobrar mais dos trabalhadores e das trabalhadoras, principalmente em épocas de crise. Com isso expõem os trabalhadores a constantes humilhações e constrangimentos, que, quando acontecem de forma recorrente dentro da empresa, é chamado de assédio moral. A repetição é decisiva para ser enquadrado como assédio moral. No entanto, o trabalhador não deve, de forma alguma, esperar um tempo prolongado para denunciar quaisquer tipos de condutas abusivas. “Assédio moral são práticas cruéis e repetitivas que descaracterizam o trabalhador, por meio da desqualificação, humilhações e ameaças constantes ao longo da jornada de trabalho”, explica Margarida Barreto, médica do trabalho. Jaudenir da Silva Costa, coordenador da Comissão de Combate à Discriminação do Ministério do Trabalho, observa que “as próprias condições de trabalho, com cumprimento e cobrança de metas imediatas, levam ao assédio moral organizacional, já que os trabalhadores cumprem a forma de gestão e organização imposta pela empresa”. Quanto às ações, elas são as mais variadas possíveis – gritos, gestos grosseiros e obscenos, comportamento hostil, intolerância, perseguição sistemática e até violência física – cujo objetivo é desestabilizar emocionalmente a vítima, destratá-la, ridicularizá-la publicamente. As ameaças de desemprego, por sua vez, levam muitos a tolerarem o assédio.

 

fique_de_olhoSombras do assédio moral

A prática do assédio afeta negativamente a comunicação, as relações interpessoais, a identidade, a saúde do trabalhador. Os sintomas apresentados pelas vítimas são os mais diversos e variam de acordo com a intensidade e a duração da agressão. Entre eles estão: dores generalizadas; palpitações; distúrbios digestivos; dores de cabeça; hipertensão arterial (pressão alta); alteração do sono; irritabilidade; crises de choro; abandono de relações pessoais; problemas familiares; isolamento; síndrome do pânico; estresse; esgotamento físico e emocional; perda do significado do trabalho. O assédio moral também pode causar danos como depressão e, em casos extremos, o suicídio. Para algumas pessoas, em determinados momentos da vida, pensar na morte como a única saída para uma situação de sofrimento intolerável, talvez pareça a única solução possível.  Mas não é, sempre tem outros caminhos, por mais cheio de nevoas que eles estejam. Falar sobre suicídio não é fácil e pouco se fala sobre ele no Brasil. Parece que o silêncio funciona melhor, parece que ele afasta, mas não é verdade. Mas mesmo não sendo citado nos jornais e escancarados no portal do Ministério da Saúde eles acontecem. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), só em 2014, foram registrados 11.821 casos no país. Até o momento, não tem como mensurar o percentual deste total que foram em decorrência do trabalho. “Infelizmente, no nosso país, mas não só, essa questão do suicídio e trabalho é algo que poucas pessoas discutem. Tanto que não temos estatísticas Nacional do trabalho e suicídio. Somos o quarto país na América Latina em número de suicídios, sem motivo nenhum de orgulho. Nós somos o oitavo no mundo em matéria de suicídio. É triste nos pensarmos que o trabalho também tem um papel fundamental e que fica totalmente ocultado”, detalha Margarida. Para estreitar a relação entre trabalho e suicídio, Margarida se apega as subnotificações. “É um mundo do trabalho onde os empregadores subnotificam doenças, não emitem CATs, demitem aquele trabalhador que está adoecido, imagina, então, um suicídio”, questiona Margarida. Também aponta casos em que o trabalhador cometeu o suicídio no próprio local de trabalho ou próximo à empresa. “Ora, quando estas situações acontecem, dentro do ambiente de trabalho ou próximo, há uma denúncia por traz que o trabalhador está fazendo. Por que ele faz isso exatamente naquele ambiente? ”, indaga Margarida.

Margarida Barreto traça paralelo entre assédio moral e suicídio

Margarida Barreto traça paralelo entre assédio moral e suicídio

O que colabora para que o suicídio não entre na lista gigante de prejuízos à saúde e segurança dos trabalhadores é. mais uma vez. a subnotificação. “Normalmente as empresas usam como estratégias dizer que aquele trabalhador que se matou está com algum problema mental, ou está com problemas na família. Ela desvia a questão da causa”, explica Margarida. Mas se quem já cometeu o suicídio não tem como incriminar a empresa, aqueles que já pensaram em cometê-lo estão aqui para dizer. Segundo Costa, das 523 denúncias de assédio moral recebidas pela SRTE-SP (Superintendência Regional do Trabalho de São Paulo), seis pessoas falaram sobre a ideação suicida. “Teve uma pessoa que disse: penso em me matar. Outra disse: Eu vou me jogar da janela do escritório. O sofrimento é tão grande que a pessoa quer acabar de vez com ele”, conta. Por isso que Costa defende a discussão do tema e que dados sejam levantados, para que a vida do trabalhador seja preservada. Ele explica que quando intenções como estas são confidenciadas o trabalhador ou trabalhadora é encaminhada para o Cerest (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador), onde deverá receber um atendimento especializado. “Só neste ano, ocorreram três suicídios de servidores no TRT-SP (Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo), logo num lugar por procura de Justiça”, observa. Apesar disso, Costa prefere ter cautela ao relacionar suicídios com quaisquer motivos ligados ao mundo do trabalho. “Não podemos dizer que todos os casos de suicídio estão atrelados ao trabalho. É preciso que aconteça uma investigação séria e reforçada, mas a gente sabe que as condições de constrangimento podem afetar a saúde mental das pessoas”, avalia.

 

Informação é a palavra chave

Na luta contra o aumento de casos de assédio moral está a informação e a conscientização. Só elas podem colaborar para que trabalhadores e trabalhadoras percebam o assédio e, então, denunciem a prática. Também colaboram para que os empregadores tomem precauções para quebrar esta corrente de humilhação. E as campanhas tem tido efeitos.

“Compreender o que está acontecendo no ambiente de trabalho, ficar com um olhar atento e escutar o que os trabalhadores têm a dizer podem ajudar para evitar ao surgimento ou crescimento de casos”, orienta Margarida Barreto

“Compreender o que está acontecendo no ambiente de trabalho, ficar com um olhar atento e escutar o que os trabalhadores têm a dizer podem ajudar para evitar ao surgimento ou crescimento de casos”, orienta Margarida Barreto

De acordo com a Superintendência Regional, as queixas de assédio moral passaram de 572, em 2014, para 523, em 2015. Uma queda de aproximadamente 10%. “As pessoas vão tomando consciência do que é que, assim, podemos combater o assédio do começo antes de chegar à doença”, constata Costa. A colaboração do Sindicato, de cipeiros, delegados sindicais e das empresas é decisiva para combater o assédio moral, assim como acidentes de trabalho e doenças provocadas no local de trabalho. “Compreender o que está acontecendo no ambiente de trabalho, ficar com um olhar atento e escutar o que os trabalhadores têm a dizer podem ajudar para evitar ao surgimento ou crescimento de casos”, orienta Margarida Barreto. Por isso que o Sindicato sempre realiza eventos e materiais para divulgar dados sobre o assunto. No ano passado, por exemplo, assédio moral foi um dos temas do Ciclo de Debates. E neste ano, já foi tema do programa de televisão Visão Trabalhista Entrevista, produzido pelo Sindicato e veiculado na TV Osasco. Nele, a médica do trabalho Margarida Barreto trouxe contribuições importantes sobre o tema, algumas delas colaboraram para a criação desta matéria.

Assista à edição do Visão Trabalhista Entrevista que abordou o combate ao assédio moral:  

 

Jornal Visão Trabalhista EDIÇÃO #04